Hoje já é domingo.
A partir de agora meus domingos serão só domingos, não domingos com você.
Mas eu ainda lembro que foi nesse dia que nos vimos pela primeira vez.
Teu pequeno atraso - não me odeia! - Você repetia no telefone.
Quem dera, meu amor, eu te odiasse agora. Ah, se eu pudesse.
Mas estávamos lá, nos dois. Você me ofereceu café e o sorriso mais bonito da
noite.
Eu te devolvi sorrindo com os olhos. E sorrimos bastante, juntos, a noite
inteira. E acordei sorrindo, ainda, no dia seguinte.
Clarice escreveu algo sobre a fome da presença. Eu tive a impressão de sua
fome. Senti que comi tua presença e você a minha, mas não era suficiente. Tua
fome de mim era maior. Era urgente.
- Nao vai, fica. - Era como se dissesse que não era preciso me afastar muito
pra que você já me quisesse mais perto. E eu quase não volto mesmo, se tivessem
passados apenas alguns segundos mais...
Mas nos próximos precisaríamos de mais tempo, de um cálculo melhor. E
precisaríamos comer naquele restaurante depois! E ver aquele show e conhecer
aquele outro lugar e o próximos e os próximos...
E eu já sentia falta dos momentos que nunca chegaram a acontecer.
Desde então, te ouço ate nos meus cds. E te ouço cantando comigo, como
naquele dia em que éramos só nós dois e uma musica de fundo. Como você
conseguia fazer daquela expressão a coisa mais linda da qual um ser humano é
capaz?Eu te poria numa moldura, clara e simples. E guardaria. E sorriria sempre
que a olhasse, embora agora eu chore.
E ainda que eu apague todas as tuas imagens, essa é a que fica em mim. E
basta que eu veja a primeira letra do seu nome para acessa-la. É quase uma
senha interna, um código. Uma letra e lá está você, como se nunca tivesse
sequer saído.
E qualquer palavra com você virava música. A música que compartilhávamos
naquele seu jogo, nosso agora, assim como o búfalo e os Borges que você me lia
todas as noites.
Me lia com aquela tua voz, de plosivas aspiradas, que vinha daquele teu
inglês gostoso. Falado de forma tao bonita, com intervalos e piscadas entre
eles.
Eu te asssistia, parada, boba sobre os seus lençóis. Eu nem sabia que ali
era a ultima vez q te veria,embora talvez algo mim já ia te guardando aos
poucos. Talvez por isso eu não quis ir embora. Por isso eu já cheguei descalço
e fui me despindo aos poucos do que me era superfluo. Por isso me espalhei, me joguei
e me fiz eu, cantando alto “o bêbado e a equilibrista”, na corda bamba de meu
próprio sentimento. Eu nem pensei na
queda, eu só pensei na esperança, no show e em como era bom a gente poder ser a
gente assim, com o outro.Tirei meus brincos, deixei um desenho no teu post-it e
meu cheiro no travesseiro.
Os pêlos da tua barba ainda sobre mim, espalhados. “parece gato” eu disse.
Sem me atentar às proporções que essa comparação tomaria dias depois.
Eu nem pude beijá-lo por ultimo. Apenas me despedi apressada e entrei no
ônibus. E larguei tua mão, que ate então vinha grudada na minha.Tua mão q nem
muito grande era, pra encaixar perfeitamente na minha.
E teus braços que me eram do formato perfeito. E teu cabelo, cortado
recentemente, que ainda te caia nos olhos. Nesses teus olhos, nos quais eu me
procurava desesperadamente, na tentativa de me guardar em você, da mesma forma
como você me invadia, me conquistava e ia tomando conta de tudo e adentrando as
camadas mais profundas da minha capacidade de sentir.
As escadas, enfim, escadas! Se cada degrau daquelas escadas infinitas
pudessem ser um beijo nosso! Eu continuaria beijando teus olhos, calmamente,
ate chegar à tua boca. E nosso percurso duraria anos, décadas, séculos afora,
de escadarias e linhas de metrô.
Nossa lista de perguntas, meus pontos positivos e teus pontos, todos,
absolutamente todos exatamente do jeito que eu pensei que deveria ser quando
alguém viesse.
E você veio, pronto, com duas covinhas nas costas, com tua pintinha no braço
que era gêmea da minha e no tom certo, tão afinando em mim que eu já tinha
absoluta certeza que era lá. E fui sem nem olhar pros lados. Fui sem ver o
caminho, que era já pra não ter volta.
E fui te sentindo chegar, me expandir, me colorir. Me viver. E eu ia junto,
que era pra não ficar pra traz.
Quando vi, você já estava nos lugares menos prováveis, você já estava mesmo
quando não estava.
”Vou te mandar dancinhas todos os dias que é pra você ver.” Mas você nem
estava mais aqui pra receber o meu carinho em forma de dança.
E eu te punha em tudo, te cuidava do jeito que achei certo, te regava, te abraçava
e pedia em silêncio - Não vai, fica. - E era minha agora a fome.
A nossa cajuína nunca cantada, aquela comida estranha que a gente nem comeu,
a tua memoria que no final nem era muito boa mesmo, os presentes que não puderam
ser entregues, nosso forró que nunca dançamos, seu CD, meu guarda-chuva. Os
ensinamentos futebolísticos de tua mãe, o café dela. As histórias da tua avó
braba. O teu ‘s’ carioca. O salgado que não significava nem de longe o twiter
daquele moço. A sua risada que mais parecia um soluço, mas que também era
musica. Sua espontaneidade. Sua vida, sua presença. Você.
Tudo que está agora em mim, borbulhando, latejando e te implorando pra
voltar.
Implorando ao menos por uma palavra, ou por algo que me faça sentir raiva.
Um chute ainda maior do que esse. E que seja forte o suficiente pra me jogar
pra fora desse quadro torto que eu pintei. Que eu vá parar do outro lado do
planeta.
E dai você fica aqui, não vai junto.
Um chute que me diga que você não é o cara mais incrível que já conheci,
ainda que o mais egoísta, insensível e covarde também. E que apesar de só você
entender todas as minhas referências, os meus assuntos, as minhas sacadas,
apesar de eu me sentir conectada a você como se já nos conhecessemos antes
mesmo do início desse texto, que apesar de tudo isso você não é o cara certo.
Que não importa eu sentir que eu amaria cada traço teu incondicionalmente. E
que eu te daria toda a minha poesia, plana e plena, de bandeja, se você apenas
ficasse.
Eu queria apenas saber que há vida pós-vc. Que há amores pra eu viver ainda.
E que um dia, ah se Deus quiser um dia, eu conseguirei tomar café, ver
chaves, ler um livro, ouvir uma musica em português ou inglês sozinha. Sem tua
ausencia presente o tempo todo a martelar – falta algo, falta algo... E sem a
sensação de que qualquer coisa, por pior que fosse, ainda seria melhor se você
apenas estivesse aqui.